quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Sinapse

Acordei em sudorese. Sentindo minha jugular latejar contra a pele. Um grito. Distante. Agudo. Porém não havia barulhos. Nem luz. Não havia nada. Vácuo. Era possível que eu estivesse suspenso no universo. No meio de nada. E uma horrível sensação vertiginosa fez meu estômago dar voltas. Percebi que me mover um único centímetro seria meu fim. Permaneci absolutamente imóvel. À exceção do meu peito. Arquejava quase que dolorosamente. As mãos gélidas espalmadas sobre o que quer que fosse. Mas não havia apoio. Um desespero crescente sufocava. Ensurdecia meus ouvidos. Cegava meus olhos vidradamente abertos. Não sentia se era frio ou excessivamente quente. Se houvesse qualquer coisa. Mas. Senti que existia contra qualquer força natural. Um todo incômodo e interrogativo. Aquela consciência absurda. De não saber. Ser engolfado por toda aquela escuridão. Permanecer aceso como uma lâmpada mínima. Então não existia. E tudo a minha volta forçava-se como verdade absoluta. Talvez nem fosse necessário. Crer. Já não tinha mais massa. Corpo. Forma. E então. Tentei. Apagar aquela luz mínima.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Escavações

Procuro em mim algo que me torne real...
Isso pode parecer óbviu - o que me torna real
Mas, na verdade, não é.
Deve haver em mim um buraco negro
Uma cápsula de anti-matéria
Um verme que já corrói tudo,
Antes mesmo de eu estar morta -
Ou será que não?
Talvez seu sujo trabalho decompositor
Já esteja pontual ou passado da hora.
Afinal, o que me torna viva ou morta?
Sinto que sou uma farsa
Das mais fajutas,
Que nem cômica é.
Sou uma mentira ordinária
Escavando com unhas imundas
As ruínas e esgotos de minha alma - um bordél.
Já nem se quer tenho máscaras
Sou encarnada uma delas -
Pele artificial.
E ando corroída por cupins dos mais preguiçosos
E sinto-me desfazendo
Como uma gosma viscosa
Podre e nojenta

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Ida-de

Quando jovem
Não sabia de nada
Mas me creio mais que agora
Confio menos no mais profundo
Quando não pensava em nada
Verdadeiramente sentia as coisas
Quanto mais errado entendia
Melhor apreendia
Que do jeito que penso por hora
Não havia nem uma dúvida
Certeza até nas interrogações
Agora não me encerro
Nem no ponto final.

No céu/Assalto

Se visses o que vi
Também te faltaria o ar
Tão súbito e inesperado
Tão longinquo, imemorado
Nem pensava em nada
Meus ouvidos moucos
Meus pés sobre os mesmos passos
Mas riscou o ar
Num segundo
E então já não era
Mas a vi
E aquilo imediatamente
Mudou minha noite
Só uma Estrela Cadente?
Me senti contente como criança
Nem fiz pedido
Se visses o que vi...
Mas meus olhos não eram os seus

Até quando ainda veremos estrelas?

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Exercício

Escrever.
Preencher toda a extensão das linhas já impressas.
Como se essa fosse a minha arte.
Escrever.
Pelo simples prazer de ter um lápis entre os dedos a pressionar suas pontas.
Pelo cheiro do papel, da borracha, da tinta.
Escrever.
E sem cor alguma, desenhar quadros multicoloridos
E sem piano ou guitarra, fazer acordes e melodias
Escrever.
Enchendo todo espaço vazio,
Como se fosse além de folha de papel.
Como se pudesse, com conta-gotas
Preencher de líquido furtacor
Meu transparente vaso vazio.
Letra após letra.
Esquerda a direita.
Inescapável fluxo sintagmal.
Como se pudesse dar ordem ao caos
Em mim e nos meus olhos.
E as letras não se esquivam, como nada, ao tempo.
E se apagam, e se somem.
E nelas não há nada de imortal.
Mas e na alma?
Quanto vento sopra o grafite?
Quanta chuva mancha a folha?
Quantos homens gritam outros nomes?
Quantos computadores processam e deletem memorias?
...Quanto de luz é necessária à leitura da alma?
E de quantos fios se precisa, para voltar ao pensamento?
E ao não-pensamento?
Sensações primárias...
O que é puro e inocente?
A ignorância?
O sim, a qualquer custo?
O sim?
...Não há pressa em minhas interrogações.
Nem há cor nesses toscos rabiscos de guardanapo.
Nem no pardo espaço invadido do jornal.
Nem há notícias, nem extras.
Há somente isto.
E, apesar de demonstrativo,
Não é nada definido.

sábado, 25 de setembro de 2010

Mais Branco

Calos e rugas
São quase alívio
O cansaço de uma vida inteira
Parece enfim desfeito
E não me preocuparia mais
Carregar fardos
Fios brancos e desnexo
Ah, como tudo isso me atrai
Pijamas e chinelos quentes
Quero ter 80 anos de idade
A visão turva
Veria tudo como um quadro impressionista
E a falta de audição
Tornaria a vida um filme mudo de Chaplin
Parkinson e Alzheimer?
Que mal me fazem?
Prefiro o esquecimento e os tremores
Cientificamente explicáveis.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Instante

Havia os batentes frios
Que perpassavam meus chinelos
Havia o inicio do dia
Que parecia fim
O céu ainda estrelado
O claro sem decidir se ia ou se vinha
Havia aquele vento ténue
Os barulhos longínquos
Como linhas cinzas
Havia aquele cheiro
E havia a ausência de gente.
A cadeira de balanço
E a conversa com a árvore pequena
Que sacudia suas folhas
Com aquele coxixo
Havia tudo aquilo
E o tempo me pesava às costas
Como uma grandeza inversamente proporcional.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Destrutiva

Não há sentido

Furacão, tufão, Katrina
Ka-ta-ri-na
Pedaços, estilhaços, cacos de vidro
Frida, ferida, cicatriz
Pernas, sangue
(Onde não se vê,
além do corpo,
através dos corpos)

-Fôlego-

Por favor, me ensine a pensar...
[E eu juro - juro com minha alma -
De que não há ironia]

Preciso aprender a sintetizar
Quer uma síntese?
= Silêncio
= Mentira
Quantos vozes falam em mim?
Quanto de mim fala em mim?
Quanto de mim?
Quanto mim?
Quanto?
Não sei contar
Não sei matemática
Não sei simetria
Não sei oposto
Não sei limites
(Limite! Eu não sei de Li-mi-te)
Eu sei de regras
Qual o problema com regras?
Qual meu problema?
Qual a regra?
Me diga, e diga quem a fez
Qual?
Diga
Me diga
Me desminta
Martele
Pregue com cravos
Ou palos
Não sou homem, nem sou mulher
Não sou humana, não sou nada
Não sou
Desnuda
Sou maior que mim
Qual o meu tamanho?
Me distinga
Me destrua
Me enquadre
Me sintetize
Me reduza
Eu não sou minha
Após meu transplante
Me rejeito
São minhas as mãos
Meu olhos, não...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Branco

Ainda sinto o que penso
De vez em quando
As vezes vejo o tempo
Meus olhos opacos
E tateio o vento
Ouvindo teus passos

Pego um lenço
E o cheiro
Lembra não sei o que
Arde minha face
E o sol no fim de tarde
Parece morrer

Na ponta da língua
O sal da palavra
Que não lembro mais o sentido
A existência das coisas
Eu, os bancos, a grama, o bulício
Parece distante, tudo adormecido

Ali, solitário
Converso sem palavras
Sossegado com o silêncio
Ali, absorto
Os sapatos e a calça caqui
Lembro e esqueço
E acaba o fim de tarde

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Nina

Linda
Menina
Teus olhos
Doce
Provoca
Machuca
Sabe que pode
E vem
E morde
E beija
E morde
E beija
Encanta
Canta
Teu eu
No meu
Ouvido
Sentido
Abrigo
Teus braços
Pequena

Menina
Teus olhos
Fascina
Intriga
Intimida
Atrae
E eu caio
Me jogo
Afogo
Respiro
Existo
Vivo
Pra ti
(Te) quero
Preciso
Te sinto
Doce
Pequena
Linda
Teus olhos
Menina

[2007]

>Sei q vc n gosta, mas... Parabéns! Te amo! - Viu? Nem arrancou pedaço! ;P

Metapensamento

Posso pensar que meus pensamentos não são pensamentos
Quando penso que não quero pensar
Mas é inevitável - o metapensamento
Percebe?
E é tão inútil!
- Não quero mais pensar.
...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Eu não sou poetiza

Eu não sei fazer poemas
Por que, afinal, o que são?
Eu não sei cantar versos
Eles se cortam quase por si mesmos
Eu não tenho nada pra dizer
E o que sinto é apenas
Uma vontade inquietante
De fazer meu silêncio falar
Um jeito de fazer com que
Qualquer coisa se traduzir em mim
Por qualquer mensagem subliminar
Fazer com que o que quer seja
Se faça em mim
Eu quero ser muita coisa
Sem linhas definidoras
Eu quero ser muita coisa ao mesmo tempo
Eu quero poder, inclusive, ser nada
Ter a liberdade (a mais pura liberdade) de ser nada
Eu quero ser por não ser
Eu gosto que o que digo
Signifique várias coisas
Eu gosto que o que leio, o que ouço, o que penso
Seja várias coisas, ao mesmo tempo
Eu gosto de ser e não ser
Eu gosto de querer e não querer
Eu quero poder ter os nomes que quiser
Eu quero ter meu céu azul anil
E ver o que quiser nas nuvens de algodão

Pó [-ema sem nome]

As vezes sinto um enfado extremo
Do mundo e de tudo
Do tempo
Dos maus pensamentos
Das pessoas
Dos falsos destinos
Dos falsos objetivos
Das falsas vitórias

Nada faz sentido, de fato
Nada existe, é tudo inventado
E, portanto, é falso

Que raiva me vem de tudo!
Se não há sentido
Então não faz mais sentido
Não o fazer também?

Sinal Gráfico

Entre
Sempre os mesmo fragmentos
Interrompidos
Entre
Sempre a falta de conclusão
Subjetiva
Sempre
De volta ao mesmo ponto
Sempre
O mesmo ponto curvilíneo
Sensualmente dissimulado
Destruindo todas as minhas certezas
Uma-à-uma
Enganando-me
Dançando sobre o ponto final
Deturpando-o

domingo, 25 de julho de 2010

Itinerário

Dentro ou fora
Na multidão não somos sequer um
Não querem realmente saber
Quando nos perguntam como estamos

Quando realmente estamos?

Já sabemos bem
Nem corremos o risco
É mais fácil guardar o que quer que seja
Evitar explanações desnecessário
Afinal, o que deveríamos dizer?
Tudo é tão pequeno e trivial

Um senhor sentado a meu lado
Me contava como havia sido seu dia
E ainda eram oito da manhã
E eu
Não o escutava

Retirei os meus fones de ouvido

De que vale a rima?
Que me importa quem a leia?
Pra que poesia em tempos como o nosso?

Há de haver
Ouvidos e línguas verdadeiras

Hoje
Ser Fernando Pessoa
É tentar ser você mesmo
[2010]

> Certo, eu sei. Mas não vou tentar ser completamente coerente. Quando encontrar mais respostas, edito o poema! rs.

Crônica [poética] dum amanhecer

[Afinal, onde termina a prosa e onde começa a poesia?]

De manhã acordei sentindo você
Sentindo falta de você
Os raios de sol entrando pela janela
Como mãos me acordando
Mas ainda me demorei
Senti seu cheiro em todas as coisas ao redor
Tentando escutar sua voz ao longe
Ainda sem abrir os olhos
Me deliciei com aquele momento de apenas sentir
De não precisar pensar
De não precisar explicar
Porque nem sempre sei dizer o que quero
Nem sempre sei traduzir o que sinto
Se não fizer as contas
Nem sei há quanto tempo você entrou na minha vida
Mas não quis fazer
Parece que você sempre esteve comigo
Ou então só comecei a existir depois de você
Senti uma vontade desesperada de ser sua
Completamente sua
De me perder em você
Como quando dois rios se encontram
E já não saber que águas fazem parte de mim
E que partes vazias a sua água preencheu
Mas me perco em você
Como quem sempre andou perdido
E finalmente encontrou o caminho de casa
Passo as pontas dos dedos de leve nas cobertas desarrumadas
Como se estivesse tocando sua pele
Vendo você adormecida
Linda
Através dos Meus Olhos
Sem me importar com formas ou aparências
Sem querer ter a pretensão de saber
O que é certo e o que é errado
Apenas confiando na bondade e pureza dentro de mim
Ao abrir os olhos
E ver apenas uma fotografia sua
Como criança, sinto como se tivessem me tirando
O melhor doce da boca
Mas, mesmo com a língua mordida,
Sinto o gosto doce que tem o seu carinho
E me levanto
Pra te encontrar

[2006]

sábado, 17 de julho de 2010

Abrigo

Nosso amor
Tem janelas vastas e arejadas
Por onde a maresia e a luz do sol
Entram no nosso lar

Nosso amor
Tem a cor dos lençóis brancos
Bagunçados e quentes
E a mancha de sangue virginal

Nosso amor
Tem o cheiro de flores secas
Reminiscências de paixão em picotes e fotografias
E o gosto doce saturado
De frutas em estado de amadurecimento avançado

Nosso amor
Tem bengalas e chinelos quentes
Xícaras vazias com ervas ainda ao fundo
Tem tinta, papel e beijo
E o gozo de sexo matinal

[2008]

Canibal

As luzes estão apagadas
Não há nada a se ver
Onde há apenas sombra e poeira
No canto do quarto escuro
Ele mantinha os olhos frios imóveis
Secos
As mãos ensanguentadas
Circundavam algo pulsante
O qual, de tempos em tempos,
Era levado com repulsa
A boca suja e muda
Que mastigava com vagareza
O tecido morno, já quase frio
Do órgão que lhe foi entregue
Ou que foi roubado
Ou era seu próprio coração
Que o alimentava (?)

[2010]

Salto

Beethoven
9º sinfonia
Fones de ouvido
Cabelos no rosto
Ombros relaxados
Jeans e tênis no parapeito
Asfalto
Carro a 100 Km/h
Motorista
Frustrado
Irritado
Na calçada
Calma
Ela já nem mais estava
Em seu campo de visão
Direcionado sempre ao futuro

Então não viu
Seus passos rápidos
Seu salto
Freios
Direção
Seu corpo contra o pára-choque
no pára-brisa
Sangue
Capota
Asfalto
Jeans rasgado, tênis sem par
Ombros em ângulos estranhos
Cabelos no rosto
Fones de ouvido
Ainda gritavam fora dos eixos
A 9º Sinfonia de Beethoven

[2009]

À deriva I

Canoa rede
Balança leve
Embala o sonho
Da menina jovem

Mãos de neve
Fiavam os cílios
Do espelho verde
Do mar sem rosas

Folhas secas
E o verde breu
Soavam sinos
Agonizando nos véus

Faltava destreza
Nas mãos em seda
Desenhavam cores
Os remos seus

Fundavam sem andar
Fingindo guiar
Fugindo
Fingindo

[2010]